Chico BuarqueEstava quebrada. Espalhada pelo chão em cacos e sangue.Era o resto. Pequenos pedaços coloridos se perdiam entre pó, fumaça, cinzas.
Cansaram de juntar cacos, enxugar lágrimas, limpar tudo, espalhar a fumaça até o ar ficar limpo.
O que ficou era doente e sem forma. Quem se abaixaria para esvaziar cinzeiros, quebrar agulhas, juntar pedaços? Quem faria um café? Daria um banho? Diria estar tudo bem? Anunciaria a volta do sol?
O fato é que a gravidade pesa em dobro quando se está no chão. Quando não há ninguém por perto.
O que fazer então? Talvez fechar os olhos e imaginar algo distante então ir trazendo para perto... algo claro, limpo, verde, leve... o vento sussurrando teu nome. Doce e lento: teu nome.
Você faz isso, fecha os olhos e imagina, traz para perto. Então começa a reconhecer pés, pernas, quadris, costas, braços, pescoço, cabeça. Lembra vagamente de algo como um cordão, que junta tudo. Marionete de si, se puxa para cima, levanta, fica de pé. Olha ao redor: sujeira e frio.
Não limpa, não arruma nada. Anda entre os cacos que lhe cortam os pés. Pontas ainda acesas queimam-lhe as feridas, mas não sente dor. Incomoda, mas não dói.
Olha no espelho e vê um rosto que não é teu. Um corpo que não é teu.
Onde teria se perdido?
As pessoas te olham e têm a mesma dúvida. Sentem medo. Sentem raiva. Tentam arrancar de ti esse corpo e rosto estranhos. Tiram-lhe pedaços, se ferem, te ferem. Vão embora.
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